Cleido Braz chegou na região que se tornou Canaã dos Carajás no dia 21 de setembro de 1981. À época, era uma criança de apenas quatro anos trazida pelos pais para a região em busca de uma vida melhor. Aqui, a criança se criou, estudou, cresceu, aprendeu o ofício de agricultor do pai e se tornou homem. A história da família de Cleido é a mesma das famílias que povoaram Canaã em meados das décadas de 70 e 80. São os chamados pioneiros do município, que desbravaram a região com as próprias mãos, encararam de frente a mata fechada, a lama, o isolamento, a distância dos grandes centros.
Passados 41 anos de sua chegada, Cleido fala com tristeza sobre a situação que ele e sua família enfrentam atualmente. O produtor tem dificuldades para dormir a noite pelo medo de perder tudo o que construiu por conta de uma disputa judicial difícil de ser vencida, pois a adversária é poderosa demais: a mineradora Vale.
Os problemas com o sono do produtor acontecem porque ele tem medo de que todo o seu esforço vá por água abaixo. Cleido tem uma terra de aproximadamente 24 hectares na região do Cristalino, que fica na zona rural de Canaã já na divisa com Curionópolis. A área é totalmente produtiva e possui plantações de cacau, banana, açaí, limão, além de outras frutas. Na localidade, também há 300 pés de mogno plantados pelo produtor com as próprias mãos. Para a lavoura, tão diversa e produtiva, Cleido gastou suas forças, o próprio suor, dinheiro e o mais precioso de tudo: tempo.
A família do produtor é uma das 24 da região que podem perder tudo sem ganhar um centavo em troca. A ação judicial da Vale alega que as famílias invadiram a localidade e permitiram atividades ilegais de mineração na área. A situação virou pauta da última Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Canaã, realizada na terça-feira (2), e a Casa de Leis se mostrou favorável às famílias.
O vereador Wilson Leite fez um discurso forte contra a mineradora e afirmou que todos os que estão na região do Cristalino são pequenos agricultores. “O povo que está lá é necessitado. Estão ali porque não tem condições de comprar a terra de forma legal. A Vale compra milhares de hectares de terra, faz concessão para grandes produtores de gado que não precisam e as coisas ficam por isso mesmo.”
Anderson Mendes atacou a raiz da questão e questionou a legitimidade da posse da Vale sobre as terras. “A Vale se diz dona daquelas terras, mas ninguém sabe ao certo quem é o dono dali, pois eram terras do governo e as pessoas invadiram. No meu modo de entender, o dono dali é quem está produzindo.”
Maria Pereira e Chefinho foram ainda mais enérgicos, falaram na instauração de uma CPI e até na paralisação das atividades da mineradora em Canaã. “Nós vamos montar uma CPI, vamos tirar a linha de ferro que a empresa construiu em cima da terra das pessoas. Vocês [A Vale] tiraram as pessoas de lá a troco de bala, mas vocês acham que só tem bala na arma de vocês? Não é” desafiou a vereadora.
“Eu acho que na conversa não dá mais certo, temos que mudar o sistema. Eu acredito que nós temos que caçar outro caminho com a Vale. Vamos começar a barrar licença enquanto não resolver o problema do povo. Ou então, se isso não acontecer, vamos interditar a entrada do Sossego, interditar a PA-160, se for o caso” afirmou Chefinho.
A tristeza do homem do campo
Cleido Braz não esconde de ninguém a tristeza que sente ao ver tudo o que investiu ameaçado. “O sentimento hoje é de muita tristeza por saber que cheguei aqui há tantos anos, enfrentei a malária, a falta de energia, a falta de escolas, falta de médico e estar nessa situação. As pessoas precisam saber que eu, assim como outros produtores da região, me abstive de feriados, de domingos, de passeios, de férias para plantar e cuidar da minha lavoura. Hoje, com 46 anos, posso ver tudo ser destruído por força policial.”
Em seu depoimento, Cleido destaca que as famílias vivem em constante ameaça e o medo é política que impera na região. “Já fomos humilhados pelos seguranças da Vale. Vivemos sofrendo ameaças constantemente, eles entram armados nas nossas propriedades sem a nossa permissão, cortam cadeados e cercas para entrar. É um caos. Agora essa de acionar a justiça e a força policial para nos tirarem dali.”
Questionado se em algum momento a Vale já se reuniu com as famílias para falar sobre o assunto, Cleido nega e diz que jamais foram consultados a respeito do assunto. “Sempre tivemos reuniões com a Vale, mas nunca para tratar disso especificamente. Nunca fomos notificados pela mineradora e, durante todo o período de mineração na área, a Vale tinha suas atividades lá dentro, porém nunca tratou desse assunto com as famílias.”
Tristeza que vira resistência
Apesar do sentimento de tristeza e do coração pesado, Cleido diz que as famílias não vão deixar suas terras para trás sem levar nada. O produtor rural mostra coragem e diz que as famílias vão encarar a força da mineradora de frente.
“Caso a força policial chegar para nos arrancar de lá, nós vamos resistir e é importante que isso fique bem claro” afirmou.
A reportagem questionou à Cleido até quando as famílias conseguirão resistir contra as forças policiais. “Vamos ao limite extremo de nossas forças. Vamos resistir para sempre, até depois do fim. São nossas terras, não vamos sair de mãos abanando.”
Uma solução para evitar sangue derramado
No entanto, para evitar uma tragédia sem precedentes na região, Cleido fala sobre uma solução que atenda aos dois lados. “Queremos é que a Vale reabra as negociações para essas 24 famílias, pois o risco de confronto é real e isso pode ser evitado. Embora as áreas tenham sido mineradas, todos os que estão lá são agricultores e não garimpeiros. A Vale quer as áreas para minerar e não reflorestar, isso é claro. Então, é o que digo, o caminho é o diálogo, a negociação.”
Posicionamento da Vale
A mineradora Vale foi procurada pelo Gazeta Carajás e se posicionou sobre o assunto. A mineradora confirmou que a justiça determinou a reintegração de posse nas áreas citadas e disse que as famílias invadiram áreas que já haviam sido adquiridas pela empresa.
Confira a nota na íntegra:
A Vale tem como premissa de atuação o diálogo com as diferentes instâncias do Poder Público e com as comunidades nas regiões em que atua. Importante esclarecer que a área do Cristalino foi adquirida pela empresa e posteriormente invadida por pessoas. A Vale vem tratando o assunto com as famílias elegíveis dentro das ações de reintegração de posse, cujas liminares foram concedidas pela Justiça, que, recentemente, deferiu a reintegração de posse em lotes onde foi identificada lavra ilegal.
Com relação à lavra ilegal, a empresa repudia veementemente, adotando as medidas judiciais cabíveis para coibir a prática em suas áreas e para colaborar com as autoridades competentes com o mesmo propósito. A lavra ilegal, além de configurar crime, impõe impactos ao meio ambiente, aos cofres públicos, à segurança e à saúde das pessoas e à atração de investimentos e implantação de novos empreendimentos.
A mineradora, no entanto, não comentou as falas dos vereadores de Canaã. O Gazeta questionou se a empresa colaboraria caso uma CPI fosse instaurada no município para investiga-la, mas também se absteve da resposta.
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